domingo, 25 de agosto de 2013

Batalhão 774, Companhia 771 - (5) ANGOLA

Os portugueses gostam de " armar", mas com esta idade, "embandeirar em arco" era muito normal...

Os veteranos, por vezes e se calhar a brincar ou a mentir, pouco interessava contavam histórias aos "maçaricos" preparando-os para o que aí vinha - diziam, que, quando os cálculos dos cantis falhavam e a água escasseava, qualquer sítio servia para mitigar a sede e o cloro fazia maravilhas apesar de se saber que as águas inquinadas provocavam todo o tipo de doenças – através da água, apanhavam-se todos os tipos de bactérias perigosas que provocavam infeções e lesões físicas que, nalguns casos ainda perduram – como antídoto na idade dos 22 anos o sistema imunitário ajudava muito e que se saiba na companhia ninguém foi “apanhado” com gravidade pelas enfermidades que pululavam por todo o lado…existia um médico e um local para enfermagem na Companhia e fora alguns contratempos os primeiros socorros funcionavam bem – quando não havia outra solução um avião colocava o doente em Luanda rapidamente e senão houvesse capacidade para resolver nos hospitais existentes a TAP solucionava o problema…nessa altura os portugueses combatentes tinham uma retaguarda bem estruturada e bem atenta, embora muitos discutissem as razões e a utilidade da operação da “ Angola é nossa” - ninguém  queria saber disso para nada…as histórias tinham sempre um conteúdo chocante e outro mais cor de rosa, mas que obrigava a pensar lá isso obrigava... havia outros que quando associados a literatura publicada e a testemunhos neste caso reais, visto que alguns veteranos tinham estado no inicio da guerra, faziam crer que muita coisa não nos tinha sido dita na especialização em Tavira...mas a vida é assim, uns mandam e outros obedecem...

Sabíamos e ouvíamos dizer que a UPA chefiada por Holden Roberto, um grupo inexplicavelmente apoiado pelos Americanos,  era um grupo tribalista dos mais perigosos que existiam em Angola e que tinham como palco de acolhimento o Congo que lhes dava guarida - este grupo que atuava de forma demencial, espalhou o terror e quando a guerra eclodiu em 61, massacraram os Bailundos, uma etnia que apoiava os portugueses e assassinaram de forma diabólica, fazendeiros, mulheres e crianças em grande número - completamente drogados e equipados com catanas e canhangulos onde associavam drogas, invadiram as fazendas, violaram mulheres repetidamente, assassinaram crianças na frente dos fazendeiros e depois de os vergastarem com as pernas das crianças cortadas à catanada, atreveram-se a serrá-los vivos  nas instalações da fazenda... tínhamos todos, uns mais do que outros, a sensação de que o exercício da guerra em Angola não seria uma coisa superficial, mas uma coisa mais profunda e que poderia atingir o limite do nunca visto - na altura pensei que talvez não fosse tanto assim - um copo de Vat 69 no bar e uns " parfait d´ámour" diminuíram o impacto do pensamento negativo e o Hipólito, um veterano primeiro sargento e meu chefe administrativo, ajudaram a desanuviar o encadeamento, dizendo que ás vezes nem dobrada desidratada havia para comer no mato...pensei cá com os meus botões, porra,... se isto é verdade, estamos feitos...aliás eu tinha-me informado e tinha o célebre livro do levantamento da UPA em 61 e que o Holden Roberto teve vergonha de assumir quando viu as imagens na América, tal era o desmando do massacre aos colonos e Bailundos - vi as fotografias e sempre que podia dava uma vista de olhos ao livro...eram cenas perfeitamente horríveis e que nenhum de nós tinha noção do que estava verdadeiramente em jogo nesta guerra...sabíamos que os Americanos eram uma vertente do problema, mas apoiar a UPA para chacinas destas, era "muita areia para a nossa camionete"...

continua nr. 6

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