domingo, 25 de agosto de 2013

Batalhão 774, Companhia 771 - (7) ANGOLA

Alguém se lembrou de escavar um altar num embondeiro, colocando lá uma divindade - a Sra. de Fátima também tinha chegado a Angola e por razões que desconheço esta imagem ajudou a enfrentar o desconhecido...

No movimento para norte a estrada de alcatrão foi desaparecendo aos poucos até que acabou mesmo e se passou a rolar na terra batida...a tal célebre picada… percebeu-se que aquilo era a tal picada de que todos falavam e as ervas altas e prontas a esconder o inimigo eram o famoso capim - todos ficamos de pé atrás com a picada e o capim – num ápice o horizonte escondia-se no capim e os morros circundantes tapavam o sol e isso era uma razão para que os receios aparecessem, visto que todos estávamos tensos e qualquer alteração no percurso provocava reações - qualquer alteração produzida na coluna e no horizonte que tapava o raio de ação da visão, era mal visto e a tropa "maçarica" sem o saber ia-se ajustando aos acidentes do terreno africano – era evidente a preocupação com que todos espreitávamos para a mata esperando a todo o tempo uma reação que felizmente não aconteceu – ficamos todos mais descontraídos quando fomos sobrevoados por dois aviões Fiat que rasaram a coluna, dando-nos sinal evidente que a picada estava controlada com os nossos " amigos" a vigiar do ar – a partir de uma determinada altura não se via viva alma e as populações como que por mágica tinham desaparecido – percebemos que estávamos num local de "ninguém" e o inimigo, que nunca tínhamos visto, podia estar emboscado em qualquer lado da picada…
As emboscadas e as tão estudadas “zonas de morte” em Tavira e logo que apareceram as primeiras curvas por causa das elevações do terreno e se deu conta de enormes buracos no centro da picada e que obrigavam a desvio, fizeram perceber a razão das viaturas nunca perderem de vista a anterior, mas mantendo sempre uma distância muito razoável e uma velocidade a rondar os 80/90 km/hora, o que era determinada pela primeira viatura - esta, era a melhor viatura, se nãoo apanhasse uma mina, porque tinha a totalidade da picada no ângulo de visão e não apanhava o famigerado pó, que escondia o percurso causando problemas gravíssimos à marcha da coluna, que apesar dos óculos e dos lenços a tapar a boca e o nariz não evitavam que o cuspo saísse da boca como se fosse uma bola de terra preta – no entanto, tinha um grande senão, pois era a viatura tampão no caso de haver ataque, obrigando a coluna a parar – estas berliet por vezes não transportavam nada de utilidade, eram reforçadas para proteger o condutor e poder suster o impacto das minas enterradas nas áreas onde os rodados passavam e que estavam bem marcados na picada – os unimogues com o pessoal com as armas em riste ou pousadas nos joelhos e que estavam distribuídos estrategicamente davam sempre um ar de segurança à coluna e sentia-se que  ao menor sinal de perigo estavam prontos a ripostar – estes elementos sabendo do perigo que corriam por estarem demasiado expostos, sofriam bastante e a maior parte das vezes tinham perturbações psicológicas a que se chamava de “cacimbado” (orvalhada que acontece em África) e o único remédio existente era a boa cerveja que existia em Angola, a célebre Cuca ou a Nocal – apesar de todos os contratempos, o pior mesmo era a tensão psicológica que colocava grande stress sobre os combatentes que sabiam estar ali desprotegidos, com os olhos fixos nas bordas da picada e com o peito feito ás balas, como se fossem “carne para canhão” – quando se vêm políticos a receberem condecorações por “ dá cá aquela palha” ficamos azedos, porque estes homens que, obrigados, enfrentaram uma guerra traiçoeira, colocando em perigo a sua própria vida, quando decidiram cumprir as ordens que lhe deram e não são achados para coisa nenhuma, fazem crer que alguma coisa existe de profundamente errado no pensamento político patrioteiro – os Governos Portugueses, desde o final da guerra das colónias, são enteados dos combatentes e uns “ chicos espertos” miseráveis, quando um deficiente ou um caído em desgraça de guerra, lhes pede qualquer ajuda e ela é simplesmente negada ou mesmo ignorada…a "hipocrisia da defesa do estado" confunde-se com deserções, discursos ideologicamente  bacocos, opiniões bizarras e muita incompetência, por isso talvez o desprezo seja um bom ingrediente para caracterizar os que beneficiam com o sistema, sem alguma vez terem tido o privilégio de estarem numa teatro de guerra...muitos deles fazem gala de terem fugido à responsabilidade patriótica daquilo que na altura se pensava ser o mais certo - defender o legado dos antepassados...

Sabíamos todos que o inimigo espreitava sempre uma oportunidade e as rendições do pessoal veterano, pelos chamados maçaricos ou inexperientes eram na altura eleitos pelo inimigo para alvos escolhidos para provocar verdadeiras desgraças – a preparação obtida em Tavira colocava à prova a capacidade de afrontar sem medo o perigo e isso revelou-se um facto, quando foi preciso estar na primeira linha – esta era uma guerra traiçoeira de disparar e fugir, de boato permanente que percorria em horas centenas de km, ou de emboscada letal, mas a fornada para a grande rendição de Angola estava preparada e até agora estava a demonstrar a sua operacionalidade…todos sabíamos que a estratégia das linhas de defesa que os quartéis portugueses tinham espalhados pelo território Angolano não deixavam grande margem de manobra ao inimigo, mas...os aquartelamentos estavam de tal modo colocados no terreno que era quase impossível ultrapassá-los de ânimo leve e o inimigo sabia disso e também porque os seus meios eram escassos, não tinham força aérea, não tinham meios para se deslocarem e  as armas eram reduzidas…tudo estava a dar certo se não tivesse acontecido o apoio incondicional dos Nórdicos, dos Americanos, dos Chineses e dos Russos e de muitos outros, que hoje são também colonizadores... " Salazar, apesar de tudo, sabia que esta guerra só poderia ser perdida em Lisboa” e tinha razão… no teatro de guerra percebemos isso e cedo percebemos que as prioridades era cumprir as ordens e salvaguardar a nossa própria vida…

Finalmente a primeira etapa na campanha africana – Luanda, Cabeço do Tope, na zona de fronteira com o ex.Congo Bela...


Angola e para além duma savana imensa, também tinha montanhas alcantiladas e que recortavam a paisagem - existia  a famosa Pedra Verde e esta montanha na passagem, "cheirava" a muito mineral valioso - os diamantes, o petróleo e outros serão o "cofre" que Portugal deixou intactos, ao contrario de outros que sugaram e ainda sugam com voracidade incontrolada tudo o que podem roubar, enquanto potências do Know How...

Depois duma incursão séria nos domínios da mata e duma experiência vivida que nos ajudou a decifrar o terreno que pisávamos, chegamos finalmente ao Norte no mato à célebre ZIN ( Zona de Intervenção Norte) - o nosso estacionamento no teatro de guerra – o rio Zaire ou Congo, uma via para a economia Congolesa e um dos rios mais caudalosos do mundo e que delimita as fronteiras no Norte de Angola deu-nos as boas vindas nos reabastecimentos a Nóqui – hoje ainda são aquelas as fronteiras que os exploradores portugueses determinaram para Angola e esse facto inolvidável, terá um dia, apesar de tudo, de ser reconhecido pelos Angolanos…

Depois de terem sido calcorreados centenas de km e terem acontecido os primeiros percalços, quer com avarias, quer com atravessamento de pontes de toros de madeira a Companhia 771 alcançou o destino e qual não foi o espanto quando vimos no primeiro reabastecimento a Nóqui, uma piscina e no verso um morro altíssimo que tinha no topo um canhão sem recuo que metia respeito, apontado ao porto de Matadi – sendo tudo uma novidade, subimos a pique o morro sobranceiro à cidade, estando a localização do quartel em Nóqui num local estratégico impenetrável por terra, apenas vulnerável pelo ar – depois do sucesso da viagem, que não teve qualquer percalço de monta, todos deparamos pela primeira vez com uma paisagem avassaladora, o rio Zaire ou Congo, que, imponente mostrava a sua força e grandeza e um quartel que estava localizado em local estratégico para impedir a travessia da fronteira do Congo pelo inimigo, apoiado em dinheiro pelos Americanos e  que se acoitava perto da fronteira com Angola... um dia os Americanos , que tão descaradamente apoiaram a guerrilha no mais tosco da sua existência, deveriam ter também o mundo contra eles, visto que também o terreno que pisam nunca foi deles...no entanto reconhecemos que, também os Americanos,  andam perdidos e por vezes não acertam com a solução, para o que julgam ser um problema à soberania...




continua nr. 8





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